Foi só então que eu descobri.
Que tudo com que eu tinha sonhado jamais se realizaria.
Que eu não ia passar de uma garota com óculos e aparelho.
Que não adiantava ser certinha pois os garotos sempre se interessavam pelas rebeldes.
Que não adiantava eu terminar o colegial. Quando eu fosse pra faculdade meus problemas não iriam sumir.
Eu não dividiria um apê com uma amiga. Não ganharia um carro.
Não encontraria um cara legal na faculdade que não tivesse segundas intenções.
E meus pais não pegariam mais leve no meu pé.
Foi quando tudo enfim ficou claro.
Coloquei postagens desesperadas nos meus sites de relacionamento.
Sabendo que ninguém leria pois, não havia ninguém interessado na minha vida patética.
Só quando encontrassem meu corpo sem vida em algum lugar da cidade, talvez eles sentissem a minha falta.
Da garota que sempre chegava cedo. Nunca faltava às aulas. Sempre ensinava as coisas a quem perguntasse.
E que nunca foi notada. Que sempre foi deixada de lado pelas pessoas que não prestavam atenção na aula e provavelmente pescariam dela durante as provas.
Decidi fazer o que nunca tinha feito em minha vida.
Joguei tudo pra cima!
Saí só com a chave de casa e andei sem destino pelas ruas.
Prestando atenção nas belas casinhas e nos altos prédios.
Observando as pessoas na rua.
Como tudo tinha um certo tipo de padrão.
Um rotina previamente organizada.
Na qual eu também estava inserida.
Mas hoje eu resolvi fazer algo diferente.
Saí correndo pela praia.
Sentindo a areia nos meus pés.
E a água batendo em minhas pernas.
Atirei pedras ao longe.
Senti-me livre como nunca.
Mas sabia que a liberdade não duraria para sempre.
Por mais que eu não quisesse, mais cedo ou mais tarde, teria que voltar para casa e para minha rotina pré-determinada.
Queria poder voar.
Ir para um lugar bem longe onde ninguém pudesse me encontrar.
Ver a cidade por cima de todas as nuvens e fumaça.
Comecei a chutar a água como se fosse uma criança.
Não me importava em parecer ridícula, não hoje.
A praia estava quase vazia.
Gotas salgadas molhavam o meu rosto, mas não era água do mar.
No meio da minha nostalgia ouvi meu nome.
Alguém me gritava ao longe.
Me virei mas não vi ninguém conhecido.
Apenas um vulto com uma camisa xadrez.
Então sorri como criança que quer brincar.
Comecei a correr pela areia, fugindo de quem quer que fosse querendo me encontrar.
Corri o mais depressa que pude mas a pessoa só se aproximava.
E eu cansei.
Então ele segurou meus pulsos.
- Marcos o que você faz aqui?
- Eu vim atrás de você.
- Pra quê?
- Pra que você não fizesse nenhuma besteira.
- E por que você se importaria com isso? Ninguém se importa com o que eu faço!
- Eu me importo!
- Como você soube que eu estava aqui?
- Eu vi na sua página da internet.
- Eu acho que eu não estou compreendendo...
- Eu tenho uma forma simples de te explicar: Eu te amo! Eu sempre te amei. Todo esse tempo. Mas você nunca me enxergou.
- Você realmente está me deixando confusa. Mais do que eu já estava. - O peso do meu corpo quis me puxar para o chão, mas ele me segurou.
- Deixa eu te mostrar então.
Foi quando aconteceu: O beijo.
O momento mágico que constrói, transforma e recria a vida insignificante de algumas pessoas como eu.